Imobiliário LGBTI+: “Clientes estrangeiros têm aumentado exponencialmente”

João Passos, consultor imobiliário e presidente da Variações, explica porque viver em Portugal continua a ser tão apelativo.

O mercado imobiliário nacional mostrou-se resiliente à pandemia, e o segmento LGBTI+ não foi exceção. Portugal continua a ser um país apetecível para se viver, “pela sua segurança, clima, gentes, comida, localização, custo de vida, leis para a comunidade”, tal como explica João Passos, responsável pelo projeto LisboaPride – Homes for Everyone, e consultor imobiliário na Remax há vários anos, em entrevista ao idealista/news. O responsável realça, por exemplo, que o número de clientes estrangeiros da LisboaPride “tem aumentado exponencialmente, tanto no mercado de compra/venda como no de arrendamento”, sendo este “altamente apelativo” para estes clientes fixarem residência no nosso país.

mercado imobiliário LGBTI+, refere, “confunde-se com o mercado geral, que não chegou propriamente a ressentir-se com a pandemia”. Além disso, e apesar dos receios iniciais, e de algum período de latência durante os confinamentos, “a procura manteve-se constante e tem vindo até a crescer”, alimentada, também, pela comunidade LGBTI+ internacional, que continua a olhar para Portugal como um destino de referência.

João Passos, também presidente da Variações, recorda que o projeto LisboaPride tem como foco celebrar a diversidade, distinguindo-se como especialista no mercado imobiliário neste segmento, e servindo também como “montra” de Portugal perante clientes e investidores internacionais. O responsável adianta que a maioria dos estrangeiros “tem arrendado apartamentos (habitualmente T2) em Lisboa e arredores e optado por usar o visto D7 como meio de autorização de residência”. Grande parte desses clientes são dos EUA, mas muitos também de países europeus. “Esta tendência acentuou-se este ano, já que deixou de ser possível obter autorização de residência em Lisboa através da compra de um apartamento (visto gold)”, indica.

 

mês do orgulho

 

Nos últimos meses, revela, tem-se assistido mesmo “a uma autêntica corrida ao arrendamento, com procura claramente superior à oferta”. “A guerra, por exemplo, trouxe um grande afluxo de arrendatários ucranianos e russos, muitos deles com bons recursos”, aponta.

A zona do Príncipe Real continua ser a zona LGBTI+ por excelência para viver em Lisboa, contudo, segundo o consultor, há outros locais a destacar-se, especialmente no eixo da Av. Almirante Reis, como o “Intendente, o Bairro das Colónias e até a Penha de França”. O apetite pela Margem Sul, nomeadamente Almada e Caparica, também se mantém, até porque a procura de uma casa no campo ou na praia é cada vez mais tendência, tanto por nacionais como estrangeiros. De acordo com João Passos, o interesse por estas zonas continua, “seja nos centros mais urbanos, para uma comunidade mais nacional e mais jovem, seja junto à praias, para um segmento mais internacional e mais adulto, numa perspetiva de reforma ou investimento.”

Nesta entrevista por escrito ao idealista/news, que agora reproduzimos na íntegra, o especialista analisa a evolução e crescimento das zonas LGBTI+ friendly num contexto de recuperação pós-covid, o comportamento do preço das casas, as diferenças entre clientes nacionais e estrangeiros, e por que é que este mercado de nicho continua a atrair investimento.

 

Já passaram mais de dois anos desde o início da pandemia. Atualmente, e num contexto de recuperação pós-covid, que balanço faz do mercado imobiliário LGBTI+ em Portugal?

O mercado imobiliário LGBTI+ confunde-se com o mercado geral, que não chegou propriamente a ressentir-se com a pandemia. Apesar dos receios iniciais, e de algum período de latência durante os confinamentos, a verdade é que a procura se manteve constante e tem vindo até a crescer. Se de alguma forma os preços de venda em Lisboa não têm tido o ritmo de crescimento que se registou no passado recente, já no mercado de arrendamento se assiste atualmente a um autêntico boom, com a procura a exceder largamente a ofertaPortugal continua a ser (se não mais ainda) um excelente país para se viver, e a procura externa tem impulsionado o mercado de arrendamento, agravado também pela retoma que se observa no alojamento local.

O sonho de ter uma casa no campo ou na praia é cada vez mais tornado realidade, tanto por nacionais como por estrangeiros, motivados pela procura de um certo retorno às origens e a um estilo de vida mais sustentável

De igual modo, a evolução dos preços de venda nas zonas limítrofes dos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, tem sofrido um expressivo aumento, neste caso impulsionado pela procura interna, em busca de preços/m2 mais acessíveis. Por último, o sonho de ter uma casa no campo ou na praia é cada vez mais tornado realidade, tanto por nacionais como por estrangeiros, motivados pela procura de um certo retorno às origens e a um estilo de vida mais sustentável, apoiado nas novas possibilidades de trabalho remoto.

 

mês do orgulho

 

A zona do Príncipe Real, em Lisboa, continua a ser a zona LGBTI+ por excelência?

Muitos dos principais e mais icónicos negócios frequentados pela comunidade continuam a localizar-se no Príncipe Real. A sua centralidade, com fáceis acessos mas muita tranquilidade, multiculturalidade e proximidade a zonas como Chiado, Bairro Alto e Baixa fazem desta zona a preferida desde há muito pela comunidade LGBTI+ para viver. A tendência só tem abrandado nos últimos anos fruto da crescente especulação imobiliária que tem feito com que os preços nesta zona se tornem pouco acessíveis (pelo menos para a comunidade LGBTI+ nacional).

 

Há outras áreas a crescer enquanto zonas LGBTI+ friendly? Houve mudanças neste últimos anos?

Efetivamente, como resultado do que disse anteriormente, outras zonas têm atraído a comunidade, especialmente em torno do eixo da Av. Almirante Reis. Os preços mais baixos, a abertura de novos negócios LGBTI+ friendly, bons transportes e um espírito mais irreverente têm colocado o Intendente, o Bairro das Colónias e até a Penha de França no mapa dos locais mais procurados por pessoas LGBTI+ para viverem.

 

No ano passado apontou a Margem Sul, nomeadamente Almada e Caparica, como zonas em crescimento. O apetite por estas zonas mantém-se?

Mantém-se e acreditamos até que tem tendência a aumentar. Seja nos centros mais urbanos, para uma comunidade mais nacional e mais jovem, seja junto à praias, para um segmento mais internacional e mais adulto, numa perspetiva de reforma ou investimento.

unsplash

Como é que os preços de compra/venda e arrendamento estão a evoluir nas zonas mais inclusivas?

Considerando em Lisboa as freguesias de Misericórdia, Santo António, Arroios e Penha de França, observa-se um crescimento nos valores de venda, mas nesta fase muito menos expressivo do que na Margem Sul (zona de Almada e Caparica), apesar de que os valores médios absolutos continuam mais baixos aqui. Já em relação aos valores de arrendamento, em todas estas zonas o aumento tem sido considerávelNos últimos meses temos assistido a uma autêntica corrida ao arrendamento, com procura claramente superior à oferta.

Nos últimos meses temos assistido a uma autêntica corrida ao arrendamento, com procura claramente superior à oferta.

 

Os clientes portugueses procuram mais casas para comprar ou arrendar? E as tipologias e segmentos?

A tendência que podemos notar prende-se com agregados familiares mais pequenos (refletido na preferência por tipologias menores, T1 e T2), situações de precariedade financeira/familiar (arrendamento preferido vs compra, muitas vezes com partilha de habitação) e procura de zonas com preços mais acessíveis, como referido anteriormente.

 

E os estrangeiros? Pretendem mudar-se para o país? O que é que procuram e onde há mais procura?

Definitivamente, Portugal é hoje um destino de excelência para quem pretende mudar de país. A maior parte dos nossos clientes estrangeiros tem arrendado apartamentos (habitualmente T2) em Lisboa e arredores e optado por usar o visto D7 como meio de autorização de residência. Grande parte desses clientes são dos EUA, mas muitos também de países europeus. Esta tendência acentuou-se este ano, já que deixou de ser possível obter autorização de residência em Lisboa através da compra de um apartamento (“visto gold”). Temos notado também um grande interesse por parte de clientes que já têm habitação em Lisboa em adquirir uma 2ª habitação (por ex., no Alentejo e no Algarve). Viver em Portugal, pela sua segurança, clima, gentes, comida, localização, custo de vida, leis para a comunidade LGBTI+, etc, é altamente apelativo para estes clientes fixarem residência no nosso país.

Portugal é hoje um destino de excelência para quem pretende mudar de país

 

A mudança de regras nos vistos gold impactou, de alguma forma, a procura de casas por parte da comunidade LGBTI+?

Nunca foi a comunidade LGBTI+ internacional a impulsionadora do programa dos vistos gold. Daí que a alteração recente na lei tenha pouco impacto nessa comunidade. Por outro lado, em termos de comunidade LGBTI+ nacional, poder-se-ia pensar que deixando de haver esta procura internacional, os preços baixariam. O que observamos não corresponde a essa ideia, já que os vistos gold diziam respeito a preços específicos (na sua esmagadora parte, aquisições de 350.000 € ou de 500.000 €). Mas até este produto tem sido absorvido pela procura existente por parte de estrangeiros (e alguns nacionais). A realidade é que o peso dos vistos gold sempre foi diminuto quando comparado com o nº de transações totais em Lisboa e em Portugal.

comunidade LGBTI+

Como está a correr o projeto da Lisboa Pride – Homes for Everyone?

Desde o início, a LisboaPride tem como foco celebrar a diversidade, distinguindo-se como especialista no mercado imobiliário em prestar o melhor serviço para a comunidade LGBTI+. Para muitas pessoas desta comunidade, a procura de casa é um processo especialmente stressante, entre ter que esconder a sua realidade e o receio de não ser aceite do outro lado. A nossa participação no processo ajuda a mitigar esses receios e garantir uma maior segurança. A LisboaPride é neste momento “the portuguese LGBTQI+ real estate brand”, uma referência na comunidade, patrocinadora de eventos para a comunidade como os Prémios Arco-Íris, o Arraial Pride de Lisboa, o Festival Internacional de Cinema Queer Lisboa, o concurso Miss Drag Lisboa e o Lisbon Bear Pride, da equipa de Futsal Lisbon Foxes e membro de associações como a Variações – Associação de Comércio e Turismo LGBTI+ de Portugal e a BJWHF Sports Club.

Para muitas pessoas desta comunidade, a procura de casa é um processo especialmente stressante, entre ter que esconder a sua realidade e o receio de não ser aceite do outro lado.

Acompanhando a evolução do próprio mercado imobiliário português, e em particular do da Grande Lisboa, o número de clientes estrangeiros da LisboaPride tem aumentado exponencialmente, tanto no mercado de compra/venda como no de arrendamento. Isto tem tornado a sua atuação mais importante do que nunca, como porto de abrigo que dá segurança no momento de realizar uma transação imobiliária num mercado desconhecido, e ainda como “montra” de Portugal perante clientes e investidores internacionais. Estes fatores específicos, entre outros mais gerais, ajudam a explicar que 2022 esteja a ser o melhor ano de sempre para a LisboaPride.

mês pride

O cenário geopolítico e económico – nomeadamente a guerra, inflação, anunciada subida dos juros – está a ter algum tipo de impacto no negócio?

É sempre difícil analisar o impacto de alguns acontecimentos enquanto estão a decorrer ou prestes a suceder. Até porque muitos deles não são específicos de Portugal, mas globais. Até este momento, o impacto tem sido diminuto, pelo menos no nosso negócio. A guerra, por exemplo, trouxe um grande afluxo de arrendatários ucranianos e russos, muitos deles com bons recursos. Somos o país europeu mais distante do conflito que está a acontecer na Ucrânia. Somo um país seguro, politicamente estável, moderado, e continuamos a oferecer muitos predicados para atrair expatriados. Por outro lado, internamente, a inflação e o aumento das taxas de juro irão tornar mais difícil as famílias cumprirem os seus compromissos financeiros, dificultando também o acesso ao crédito habitação. Mas a verdade é que o mercado imobiliário se tem mostrado muito resiliente. Se esta tendência se vai manter, só o tempo o dirá.

A guerra, por exemplo, trouxe um grande afluxo de arrendatários ucranianos e russos, muitos deles com bons recursos

 

E em que ponto está o projeto Variações? Os negócios LGBTI friendly continuam a surgir? E em que áreas e zonas?

A Variações está num momento de restabelecer o fôlego após estes dois anos de instabilidade e incertezas para muitos dos negócios. A Associação depende do esforço das pessoas e entidades que a compõem, e sentimos que está novamente a ganhar energia, ao mesmo tempo que a economia retoma o seu crescimento e os negócios LGBTI+ voltam a prosperar, impulsionados também pelo regresso em massa dos turistas. Lisboa continua a ser a região onde mais negócios surgem, não só devido ao ambiente propício de ser a capital, mas também porque sempre foi o local que mais promoveu o setor LGBTI+, nomeadamente enquanto destino turístico, apesar de ainda haver muito por fazer.

bandeira LGBTI+

Portugal continua a ser um destino de turismo LGBTI+ por excelência? Tem conhecimento de algum tipo de campanhas em marcha para potenciar a atração da comunidade para o país?

A campanha Proudly Portugal foi um grande promotor da marca Portugal enquanto destino LGBTI+. Acreditamos que este deverá ser um dos segmentos prioritários na promoção do país como um dos destinos turísticos mais inclusivos e seguros do mundo, mas na prática ainda sentimos dificuldades nos apoios a esta visão. Continuamos a reunir esforços na promoção deste projeto junto do Turismo de Portugal, para obter os apoios necessários para que Portugal seja reconhecido internacionalmente como um dos destinos LGBTI+ de excelência.  Adicionalmente, a Variações, num projeto que se quer que envolva outras associações LGBTI+, lidera novamente a candidatura de Lisboa para acolher um EuroPride (neste caso, o de 2025), decisão essa que será tomada em outubro pelas organizações membros da EPOA, na cidade de Turim.

 

Depois de dois anos em suspenso, o Arraial Pride em Lisboa está de volta. Qual a importância deste tipo de eventos para a comunidade LGBTI+?

Todos os eventos para a comunidade são de enorme relevância na promoção da inclusão, luta por direitos e celebração do Orgulho. Tanto as Marchas do Orgulho LGBTI+, bem como eventos Pride têm a sua importância na quebra do isolamento e criação de locais seguros de convívio e comunidade.

Achamos que Portugal ainda apresenta pouca oferta comparativamente com Espanha, onde as várias regiões e cidades promovem os seus destinos com eventos Pride

Ficamos felizes por voltar a ser possível a organização destes eventos no nosso país! Mesmo assim, achamos que Portugal ainda apresenta pouca oferta comparativamente com Espanha, onde as várias regiões e cidades promovem os seus destinos com eventos Pride, havendo inclusivamente casos onde os eventos acontecem duas vezes por ano (verão e inverno). Daí acharmos necessário que o Turismo de Portugal, Agências Regionais de Turismo e autarquias tenham equipas multidisciplinares a trabalhar em conjunto com a comunidade, para dar maior visibilidade e o apoio necessário para que Portugal se apresente como um dos destinos de eleição para este mercado.

 

Fonte: idealista/news

https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2022/06/22/52796-imobiliario-lgbti-clientes-estrangeiros-tem-aumentado-exponencialmente

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